segunda-feira, 27 de abril de 2009

"Sementes"...




“Ser jovem enquanto velha,
Velha enquanto jovem,
Quando uma pessoa vive de verdade,
Todos os outros também vivem. ”


“Quando eu era menina,
Meus sapatos nunca serviam;
Bolhas de um rosa vivo nos calcanhares.
Não me lembro: será que meus sapatos eram muito apertados ou grandes demais?
Com o chapéu nas mãos, os coitados dos meus pais
Perguntavam ao médico: “Tudo certo com ela?”
“Problemas com os pés”, dizia o médico.
“O defeito é grave”.
E assim meus pais gastavam seu dinheirinho
Em sapatos reforçados para os pés defeituosos.
O médico ameaçava:
“Ela nunca mais pode andar descalça!”

Nos sapatos de chumbo, eu acidentalmente atingia o lado de dentro
Dos meus tornozelos ao correr ou andar-
Os sapatos faziam meus joelhos baterem um no outro,
Com os ossos estalando, os tornozelos sangrando.
Mas sem aqueles sapatos, sem nenhum sapato,
Os cachorros e eu corríamos como o vento.

Toda criança tem uma vida secreta longe dos adultos,
E assim, no verão ou na neve,
Não fazia diferença, eu escapulia
Para uma das verdes salas do trono
Na floresta, e lá eu desatava
Os mil cordões dos sapatos de ferro,
Fazia força para abrir os canos altos e duros,
E arrancava aqueles sapatos de duzentos quilos
Que poderiam atingir e matar uma mula.
E então eu só ficava sentada ali,
Uma menininha cantando alto lá-lá-lá
Enquanto meus pés balançavam descalços, a escutar.

Forçada de volta
Àqueles sapatos anos após anos
Foi então que comecei a planejar
Amputar meus pés
Só para ver o médico desmaiar
Só para refletir sua visão brutal
De como deveriam ser pés “sem defeito”.
“Não andará direito pelo resto da vida”, disse ele.

Uma vez ouvi uma mãe rica
Dizer à filha toda arrumadinha
Num banheiro público
Onde se pagava dez centavos
Para usar o sanitário limpo em vez de sujo:
“Não deixe seus pés se alargarem;
Use sapatos o tempo todo, até quando for dormir...
Não tenha pés comuns”, aconselhou a mãe.
Fiquei cismada....”Mas o pé comum é tão...
Bem, é tão bom ele ser comum, não é mesmo?”

“Não! Ela não tem arco nenhum!”, disse o médico....
“Como uma índia de pés chatos”, disse ele.
“Mas meus antepassados”, murmurei...
“Eu sou uma índia de pés chatos”, disse eu.
E mais tarde já adulta, ao ver
Minhas ancestrais e seus pés de solas gordas,
Eu soube que meus pés foram criados
Para andar por campos de lavoura,
Para cobrir quilômetros na terra batida no escuro,
Para ingerir nutrientes da terra
Direto através das solas,
E para andar empertigada , deslizar e girar na roda de dança.

Mas naquela época, nas chamadas
“boas maneiras do interior”,
Os pés das mulheres costumavam ser criados para tornarem-se
Pequenos sacrifícios humanos,
Mantidos pequenos demais,
Não sem peias,
Mas, de certo modo, sem pés.
Incapazes de correr morro acima, morro abaixo ou fugir.
Revela-se...
Que era exatamente esse o objetivo.

Mas meus pés fugiram comigo
Neles de qualquer modo
E hoje, nada de sapatos reforçados
Para me fazer “andar direito”,
Pois com eles ou sem eles, não importa,
Eu nunca andei direito;
....até mesmo hoje, seguindo pela rua,
Eu dou uma guinada,
De repente querendo ver alguma coisa,
Me juntar àquela marcha,
Recuperar essa noite,
Falar com alguma pessoa ou algum bicho,
Fazer um desvio até uma flor que cresce,
Através das pedras,
Abaixar para falar com uma criança
Sobre a ocupação importantíssima
De caçar coelhos para obter créditos acadêmicos,
Ou só para parar e balançar diante de um amado.
Meus pés e pernas pertencem Àquela que Dança
Que também possui meus quadris...
E os sapatos corretivos não
Corrigiram nada
Que fosse mais necessário que minha Alma.
Todos os ritmos mais importantes,
Os jeitos de parar e os passos largos
Permanecem “sem conserto”.

Agora, acho que meus sapatos talvez sejam
Uma das minhas formas cruciais de arte.
Espero que por fim seja aceitável
Que eu com freqüência use,
Os tipos mais descabidos de sapatos
E às vezes irreverentes que sejam possíveis.

Acho que por fim chegou a hora
- sem consultar qualquer médico-
Em que posso também andar descalça
Sempre que possível,
Para que eu possa realmente enxergar e ouvir....”

(Trecho do livro: “Ciranda das mulheres sábias”, Clarissa Pinkola)


Acredito que todos nós, homens ou mulheres, tivemos as nossas “diferenças” cruelmente rotuladas.
Não importa se o rótulo foi: “teimoso demais”, “genioso demais”, “afetivo demais”, “curioso demais” , “atrevida demais”, “lunático demais”, ou qualquer outro do gênero; o fato, é que ele oculta uma enorme potencialidade criativa.
Os nossos “defeitos” são grandes qualidades em desenvolvimento, que necessitam de maturidade, responsabilidade e direcionamento.
Caso você tenha “espremido” o bastante a sua natureza para se livrar dos rótulos, ou melhor, das “qualidades”, aceitando os “moldes culturais” que objetivam nos tornar “seres em série”, sinto informar-lhe, mas, os seus problemas atuais, refletem a dor sufocada em sua Alma, em conseqüência de tal deformação.
Assim como a autora, talvez, você tenha pensado em “amputar”, não seus pés, mas quem sabe a sua alegria, o seu entusiasmo, a sua auto-valorização ou a sua vontade de se lambuzar de vida e de sonhos.
Se esse é o seu caso, talvez haja algo em você que culpe as outras pessoas, ou a própria vida por tal amputação, mas quero lhe dizer duas coisas importantes que descobri, ao cuidar das minhas próprias “amputações”:
* Ninguém pode entrar em nosso interior e “matar” coisa alguma. Na expectativa insana de atender ao que os que amamos esperam de nós, nos castramos e amputamos o fluxo de vida e de alegria em nosso interior.
* Porém, por mais que aparentemente pareçamos “amputados” de alguma coisa; em nosso interior, nas profundezas do “solo fértil” da Alma , adormecidas, as sementes aguardam um raio de vontade para voltarem a crescer.

O que é natural, se auto-regenera, sempre!!!

Um abraço fraternal,

Adely

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Crer na vida...

Creio na força que vejo e que chamo de Natureza,
Creio Naquilo que não vejo e que me sustenta,
Na chama que em tudo ocultamente arde,
Revirando e extraindo o sumo das possibilidades,
Mais sublimes e inesperadas.
Não ouso nomeá-lo, dar-lhe formato,
Compreender ou buscar controlar.
Me faço apenas observadora e tecelã dos fragmentos,
das repetitivas coincidências que antes ousava chamar de destino.
Recolho retalhos de escolhas,
Observo ciclos, intenções e espelhos em minha alma.
Encaixo e desencaixo posicionamentos,
Me desfaço das velhas máscaras protetoras,
Reinvento opiniões e pensamentos,
Me recolho e reviro meus armários,
Jogo fora mais um pouco do peso passado,
Esvazio a bagagem deixando para trás os moldes,
Observo o fluir da vida e me encaixo nele,
Aprendi a não nadar contra a correnteza!
Fluindo, numa hora qualquer,
Encontro uma margem segura para recomeçar.
Creio na vida, em suas marés e em sua força,
Nos potenciais humanos e no inesperado,
No mistério e nas noites que sempre passam,
Nos dias e nas tempestades que sempre terminam,
E, sobretudo, nas voltas que a vida dá.
Nada permanece imóvel ou segue do mesmo jeito
É no cenário constante de vida-morte-vida,
Que tudo acontece, morre e torna a viver.

Apesar de ser mais fácil crer que tudo tende a dar errado ou a não ter saída, a Vida é constantemente repleta de novas possibilidades.
Sempre há um novo ponto de vista à ser descoberto, uma alternativa a ser tomada, algo a ser transformado ou reformado.
Mudanças externas, implicam em mudanças internas. Não dá para mudar algo, mantendo-se com os mesmos pensamentos, atitudes e pontos de vista.
Não importa em que ponto do caminho você esteja, ou qual situação esteja enfrentando, talvez seja esse o seu ponto de partida para uma vida diferente, ou melhor, para uma nova maneira de lidar consigo e com a sua vida.
O que chamamos de destino é o resultado das nossas escolhas, na maior parte das vezes, inconscientes.
O que chamamos de “karma” é o resultado da repetição de um padrão de comportamento. Não adianta simplesmente “arrastar a cruz”, é preciso compreender o que o leva a querer arrastá-la. Aí está o aprendizado!
Dê-se sempre uma chance de mudar e recomeçar, mas faça isso já, um passo de cada vez. É simples assim, apesar de parecer complexo.
Se parecer difícil demais e surgir o “eu não consigo”, experimente substituí-lo pelo “eu não quero”. É mais digno de um ser tão poderoso quanto o humano.

Desde que o ano do Sol começou, 21 de Março, sinto um fluxo de “fazer mais e falar menos”. Muita gente nova chegando, um pessoal bem “solar”, com vontade de crescer e de brilhar; o tempo curtíssimo, a energia solar é ágil, exige que a gente se adapte, por isso tenho escrito muito pouco, simplesmente seguindo o fluxo da vida.

Um abraço fraternal,
Adely