domingo, 17 de maio de 2009

O poder do cativeiro


Passeando outro dia sem rumo pela internet, encontrei um artigo sobre o comportamento dos animais em cativeiro e a aparente perda do contato com os instintos.
Comentava sobre a depressão, a perda do apetite, a dificuldade na reprodução, o alto índice de abortos espontâneos em algumas espécies e tudo mais o que já sabemos: “bicho foi feito pra viver em liberdade!”.
Terminei de ler o texto e fiquei ali, sozinha e em silêncio, deixando a mente correr solta e atenta aos meus sentimentos, esperando que meu “ Eu Interior” me mostrasse a razão pela qual cheguei “ ao acaso”( ele não existe!) nessa página.
Refleti sobre meu desconforto durante as visitas com meu filho ao zoológico, sobre minha relação com a natureza e especialmente com os animais de quatro patas e isso inevitavelmente me levou a recordar minha infância.
Meus pais se separaram quando eu tinha cinco anos de idade. Fiquei oito anos sem contato com meu pai e minha mãe lutava muito para me criar sozinha e eu tinha a completa consciência disso: eu nasci velha! Nenhum sentimento, ou estado de ânimo passava despercebido, talvez por isso “cresci” muito rápido e fiz o máximo que pude para mostrar que era capaz de me “ virar sozinha”. Assim, com seis anos, eu passei a voltar da escola e a ficar sozinha em casa, até a noite quando ela voltava do trabalho. Minha única exigência era ter três gatos!
Para aqueles que ainda acreditam que os gatos são bichos traiçoeiros ou que não possuem sentimento algum pelas pessoas, afirmo que isso é uma grande bobagem! Quem se permitiu conhecê-los sabe que são seres dóceis e companheiros. Talvez o desafio esteja no fato deles constantemente nos ensinarem sobre o “respeito ao tempo do outro” e sobre a importância de estarmos constantemente ligados ao nosso próprio tempo.
É verdade que os gatos não fazem nada que não queiram, mas, é verdade também, que são profundamente atentos ao nosso estado de ânimo: um gato sempre sabe quando seu dono está carente ou desanimado!
São seres individualistas sim, mas vivem muito bem em comunidade.
E apesar de parecerem animais domésticos, preservam-se “selvagens” ( no melhor sentido da palavra!) e livres.
Talvez por isso o “cativeiro” pareça não existir para eles, assim como sinto que hoje não existe para mim também: apesar de me sentir comprometida com o meu trabalho e com os vários aspectos da minha vida particular, não me sinto aprisionada por nada. Sinto-me livre para refazer escolhas a qualquer momento, e isso é extremamente confortável.
Lembrei das fases da minha vida em que me acreditei presa a um “cativeiro” e da minha incapacidade de perceber que o cativeiro era uma escolha. Havia muitas outras escolhas disponíveis a todo o momento, mas, eu só conseguia fazer as escolhas “programadas” , ou seja, aquelas que me ensinaram a ter.
E assim, girava como um “cão em torno do rabo”, refazendo histórias de dor e infelicidade.

Diferentes dos animais irracionais que não possuem muitas escolhas, nós somos apenas reféns de nós mesmos, não tenho dúvida alguma sobre isso!
Obviamente que temos sempre uma longa lista de desculpas que pareçam justificar a nossa permanência no cativeiro. No fundo, porém, sabemos que são apenas desculpas.
Li uma vez, sobre uma experiência que fizeram com um cão em uma jaula. O chão da jaula era de metal e colocaram vários pontos que quando ativados disparariam pequenos choques nas patas do animal.
Ativaram o lado direito e o cão assustado pulou para o esquerdo e correu em direção à porta da jaula. Ativaram o esquerdo e o cão pulou para o lado direito e em direção a porta. Passados alguns dias, ativaram os dois lados ao mesmo tempo, o cão rodopiou de um canto a outro apavorado. Repetiram a experiência por vários dias e o cão começou a parecer não se importar mais com o incômodo provocado pelos choques em suas patas. Passou a ficar deitado recebendo os choques.
Perceberam que o cão foi ficando deprimido, com aquele olhar vago, até que um dia decidiram ativar os choques dos dois lados e abrir a porta da jaula, o cão permaneceu imóvel, mesmo com a jaula aberta.
Concluíram que os animais , assim como nós, acabam se acostumando com a violência e com a dor.
Talvez por essa mesma razão, tenhamos a tendência de não perceber a possibilidade de novas escolhas, sempre à nossa disposição.
Sinto que quando nos acostumamos com a dor, passamos a duvidar da vida e da possibilidade de acontecimentos positivos e alegres.
Passamos a preferir a dor que conhecemos à dor desconhecida.
Perdemos a fé na possibilidade de uma vida nova por detrás da porta da jaula. Perdemos a fé na capacidade de fugir, das nossas pernas e pés.
Parece faltar-nos a energia necessária para sair do lugar, mas nas profundezas do nosso ser sempre há um reservatório infinito de energia à nossa disposição, para isso basta apenas um passo: um “não”, um “chega” ou “não quero mais”.
Lembre-se de que “cativeiro” é tudo aquilo que nos rouba o que nos é mais precioso e vital. Que nos traz a seguinte sensação: “Não sei por que não consigo sair daqui.”, ou, “Não sei por que agüento tudo isso”.
Você pode jurar que a razão está no fato de pensar nos outros ou de não se crer capaz de dar um novo passo. Não importa! O fato é que a chave da jaula está ao seu alcance.
Quando falo em fazer novas escolhas ou abrir a jaula e correr para longe, estou me referindo a começar um movimento de mudança interior: novos posicionamentos, novas perspectivas, novos comportamentos, novas reações, já que a jaula é um fator interno.
A jaula é na maior parte das vezes fruto do nosso descaso para conosco, das frases não ditas, do “deixa pra lá”, da falta de postura e de atitude, da mania de querer carregar o mundo nas costas..
É claro que algumas jaulas externas também existem: relacionamentos destrutivos e violentos, empregos que escravizam, amizades erradas, laços familiares que são como tumores enraizados; e sem dúvidas algumas vezes o rompimento e o afastamento físico são necessários. Tratar das feridas posteriores é mais necessário ainda!
Se você se sente completamente distante de “ tudo aquilo que um dia foi”, ou que sonhou em ser, se está deitado entregue ao próprio “ destino” sem ao menos perceber mais a dor e o desespero, chegou a hora de olhar para tudo aquilo que o aprisiona. Tenho certeza de que se olhar bem verá que a jaula é feita de papelão e que a porta que parece existir está há muito tempo aberta, esperando por seus passos.
Uma dica de quem já derrubou muitas jaulas de papelão: preste atenção em um gato pressentindo um acontecimento. Você o verá farejando o ar, as orelhas estarão atentas virando para todos os lados, os músculos prontos para saltar e correr, os pés estarão firmes no chão e o olhar já terá detectado nessa fração de segundos, a melhor rota de fuga.
Com certeza nesse momento o gato não pensará nas conseqüências da sua fuga, se irá deixar algo caído ou quebrado, se conseguirá escapar ou não, nem irá querer saber o que as pessoas acharão disso, ele apenas correrá em busca de segurança.
Alguns momentos da vida exigem isso, calar a mente e deixar o corpo fugir.
Só mais uma coisa: as jaulas geralmente se disfarçam de SEGURANÇA, esteja atento, e ao invés de “SEGURANÇA” experimente buscar conforto, bem-estar, prazer, alegria, aconchego e amor-próprio! Claro que tudo isso acaba se traduzindo numa sensação magnífica de segurança natural, mas aquilo que chamamos de “Segurança”, acaba na maior parte das vezes, nos custando a própria “pele”.
Sinceramente? Aprendi com os bichos uma coisa que procuro ensinar também ao meu “filhote”: SOFRER NÃO É BOM, NEM FAZ BEM!”.
Aventure-se a imaginar-se livre das jaulas, deixe-as para trás se preciso for, mas lembre-se de cuidar daquilo que em você as criou. Se não for assim, você apenas mudará as jaulas de endereço.

* Dedico esse texto aos “ meninos e meninas” que fazem parte da minha estrada e que insistem em acreditar que as jaulas não são de papelão.
Lembrem-se também de que não adianta apenas ter a coragem necessária para correr para fora da jaula, é preciso “ sustentar” a fuga e a vida nova lá fora.

Um abraço fraternal,

Adely

2 comentários:

Laine disse...

Lindo, Adely!
Obrigada.
Bjo

Fernanda Cintra disse...

kkkkkkkkkkk....
Nem vou falar nada...
Esse texto caiu como uma luva...
VC É FODÁSTICA BRUXA!!
Um dia eu vo chegar lá...( lá significa pra mim saber como sustentar tudo isso!!)
beijos